segunda-feira, 25 de setembro de 2017





Se pudesse,ou tivesse ousadia,tinha fotografado aquele momento de solidão. Estava sentado ao lado do Jorge de Sena com um abandono assustador. Enfrentamo-nos num duelo de olhares cruzados.Nenhum desistiu,falamos a linguagem dos solitários.Passo por ali para dialogar com a Florbela Espanca,somos duas almas inquietas, ao mesmo tempo tão diferentes.Talvez seja o dialogo dos versos que nos une,talvez...a paixão desenfreada de querer mais, seja um outro elo que me liga aos meus silêncios. Não fosse aquele corpo quebrado sobre os joelhos eu teria passado sem o ver.Como pode um jovem estar naquele lugar velho de prosas e poemas tão antigos? Deu-me vontade de abraçar aquele corpo menino com roupa de adulto.A camisa branca,a gravata sem nó,o casaco caído com desprezo,a barba de dois dias,o cabelo sobre o colarinho...a elegância a contrastar com a nudez da estátua do poeta Jorge de Sena.Lembrei-me do poema." Uma pequenina luz bruxuleante" Não há distância.Aqui,no meio de nós.
Era essa pequena luz em forma de estrela que me fazia ficar ali à espera da primeira palavra que não saiu.Apenas um momento de entrega e oração.Penso que era isso que ouvia naquele lugar onde as árvores também elas abandonadas pelo vento faziam o quadro perfeito da Piétá. Poderia ser mãe daquele corpo aparentemente frágil,poderia ele ser o filho que contra natura estava a sofrer o primeiro embate de um qualquer mal que o fez isolar-se.Talvez o instinto de mãe me fizesse crer que estaria ali por algum motivo.Talvez...talvez, ele mesmo fosse o meu filho...









Célia M Cavaco In Desvios