Numa tarde de sol como esta, que por um acaso é sábado, véspera do dia da mãe.Na minha sonolência, por instantes, vagueio por histórias onde o tempo foi tempo passado.Um dia;regressei de um lugar onde tudo era sol e vida.As cores quase sempre brilhantes e exageradas só porque o sol era mais que muito e tudo era excesso.Vestir suave e colorido combinava com o lugar.Que saudades do sol que parecia nascer no ocaso,era assim que eu o via na minha confusão onde buscava aprender tudo com ansiedade própria de quem queria viver tudo antes do tempo.Inesperadamente tinha ganho uma autonomia que até então me era limitada por exagero de uma educação cativa.Comecei por escolher o meu guarda-roupa que até então era escolhido ao gosto da minha mãe.Lembro que a senhora que morava na casa do lado lia e via muito uma revista de moda. Escusado será de dizer que tudo era elegantemente bonito.Perguntei como poderia ter um daqueles vestidos coloridos e bem confeccionados.Assim que pude dirigi-me à melhor loja da cidade,a alegria imensa de me sentir senhora com um poder de compra onde não sendo muito para mim era grande,tão grande como a liberdade que tinha conquistado, tal a minha audácia de me lançar no desconhecido.O tecido que levava no saco era branco estampado com flores coloridas e sobretudo leve para suavizar o calor que me apoquentaria se não fosse o tal tecido de algodão leve,poderia ter escolhido um tal de linho.Uma senhora muito experiente alertou-me que se o escolhesse amarrotaria sempre que me sentasse,e,com toda a sabedoria disse que teria de ser passado ainda húmido para ficar perfeito.Céus,passar a ferro?Como seria passar a ferro na perfeição? Melhor ficar pelo prático algodão,leve e jovial como a minha inocente idade de senhora dona.Hoje,a anos luz daquele lugar mágico, estou a apanhar sol nesta tarde de sábado numa janela onde o Tejo me deixa nostálgica.Lembro que a mala que levei cheia de sonhos,voltou comigo com um vazio cheio de esperança,aprendera e conquistara o respeito de ser Mulher,ainda sem idade para decidir grandes causas,mas com um bilhete onde ganhara estatuto de maioridade.A primeira casa foi procurada numa página de jornal,tinha entrevista marcada para depois das cinco da tarde.Vesti o tal vestido branco estampado de flores,apesar do frio que se fazia sentir,sentia a alegria de começar de novo.Tudo iria dar certo,nem poderia ser de outro modo havia uma estrela que sem eu pedir me acompanhava a dar-me sorte.Ali para os lados da Almirante Reis havia uma grande algazarra.Ouvi naquele dia palavras que me eram estranhas,fascistas,reforma agrária,latifundiários...era um vocabulário que me era desconhecido,mas o dia,aquele dia tinha uma razão de ser,era um tal 1º de Maio.Toda a Avenida estava cheia de muitos que cantavam ou reclamavam num cantar que muito tempo depois soube ser canções de intervenção.Enrolada pela multidão esqueci a rua onde se iria ter a entrevista.Naquele dia,foi o meu primeiro de Maio,ainda que involuntário fui manifestante sem causa própria.Ainda não tinha chegado a hora da minha opinião politica.Envergonhada,compareci à tal entrevista.Esperava-me uma senhora Dona Esmeralda,parecia uma actriz de cinema Italiano.Olhou-me de alto a baixo,e num falar à moda de Lisboa disse:
-Acha que estimará a casa,terá capacidade para a manter arrumada? Isto porque a casa era o que na altura se usava muito,subalugar uma casa com recheio.
Olhei para a Senhora com penteado alto e cheio de laca onde poderia caber um ninho de pássaros,e,num acto de coragem disse-lhe com altivez:
-Por acaso está a afirmar que não sei limpar uma casa?
A criatura resmungou um palavrão que até hoje não sei se ouvi bem,se sim,aquele batom vermelho ficava-lhe péssimamente.
Depois de muito me olhar,fez-me assinar um papel com alíneas e ordens que mais parecia que eu iria morar num lar de estudantes.Mas ganhei a minha primeira casa depois de ter partido à procura do mundo.O regresso à realidade foi um tanto atribulado,muito se deveu ao tal vinte cinco de Abril.Estava a começar a encarreirar nestas datas festivas,estava a começar a aprender a liberdade politica que muitos chamavam de democracia.Nada tinha a ver com a minha liberdade pessoal.Nesse tempo,o dia da Mãe era no início de Dezembro,festejava-se no dia da Imaculada Conceição,padroeira de Portugal.Passados estes anos...Amanhã é dia da Mãe,mãe de todos os dias e todas as horas presentes,mas,a haver um dia onde se faça lembrar a MÃE é amanhã.Para mim,mãe todos os dias,e sem qualquer religiosidade vou escrever um post-it a lembrar que para lá chegar faltam ainda sete meses e três dias para lembrar o dia em que escrevia para a minha Mãe.Feliz Dia da Mãe,beijinhos desta sua filha:
Célia Maria Cavaco,In Desvios
Arte:Paolo Domeniconi