terça-feira, 6 de setembro de 2016




Na estrada nacional um cruzamento,um caminho estreito,uma paisagem estranha como se fosse outra dimensão. Entraram com receio,breve o espanto deu lugar ao sonho. Seria ali que iriam viver as suas escapadelas de fim de semana.Consoante caminhavam,a estrada de terra batida alargava-se num tapete de folhas coloridas,espantosamente coloridas como se fosse o Outono o portão de entrada. Ladeada de frondosas árvores, também elas em folhas matizadas como se fossem uma pintura de um quadro inexplicavelmente outonal. Um bosque,era precisamente o que estavam a ver,ambos olharam para trás, e as árvores formavam uma única copa,um esconderijo perfeito.Encontraram um casal de idosos que compunham as folhas em vez de as apanhar,tudo era magnificamente estranho,foram convidados para um chá,não se fizeram rogados.Acompanharam o casal que vestia uma roupa pouco usual,parecia tecido das mesmas folhas que atapetava a estrada,os casacos eram de musgo verde tecido e entraçado à mão. A casa era ampla, com uma chaminé a fumegar,um cheiro a canela perfumava a casa, o que lhes agradou.As chávenas pintadas à mão,as folhas coloriam essa pintura numa cerâmica fina com um leve dourado em folha de ouro. Perguntaram ambos ao mesmo tempo o nome do chá,a idosa sorridente respondeu-lhes, apanhador de sonhos.Sorriram e agradeceram,não sem antes provarem os bolos que milagrosamente apareceram na mesa num cesto enfeitado com folhas do bosque.Pediu a receita,o casal de idosos olharam um para o outro e pediram que ela os acompanhasse.Num outro compartimento que mais não era que uma despensa com tudo o que necessário para sobreviver,viu um livro grande com um cadeado,pediram-lhe que abrisse o livro,olhou,procurou a chave,a senhora disse-lhe que passasse a mão como se estivesse a acariciar o amor da sua vida.Fechou os olhos e vislumbrou o homem que estava na sala ao lado a beber o chá e a comer os bolos de canela e frutos secos.Suspirou,a mão passou ao de leve pelo cadeado do livro grande,imediatamente recuou como se tivesse apanhado uma corrente de ar. A primeira página estava ilustrada com a foto dos idosos quando eram jovens. Os idosos sorriram e abraçaram-se como se o amor deles continuasse no auge da juventude tal como deixavam transparecer na foto que emoldurava a primeira página do livro.Voltaram para a sala de chá,ela suspirou e abraçou o homem que era o seu cavaleiro andante. Os bolos tinham desaparecido do cesto,franziu o sobrolho,que indelicadeza da parte dele,decerto tinha-se distraído. A idosa indicou-lhe uma prateleira onde estavam todos os ingredientes necessários para fazer os bolos,apenas falta-lhe a receita. A idosa deu-lhe as mãos,ambas se abraçaram como se conhecessem há muito tempo,baixinho segredou-lhe,faz com o coração,depois é só misturares os ingredientes dos afectos.As doses são as medidas das tuas mãos quando à noite adormeces sob o olhar protector daquele que está ali sentado.Ele é o teu livro de receitas,só tens de o folhear com o mesmo carinho com que o abraças no acordar das folhas que nada mais são os anos acumulados feitos com a doce compota da ternura.Estremeceu,acordou com o barulho do vento e das folhas das árvores que batiam nos vidros.Fora apenas um sonho,levantou-se para fazer um chá de camomila,abriu o armário,e qual não é o seu espanto...estava um cesto cheio de bolinhos de canela e frutos secos com um bilhete que dizia: Não te esqueças das doses certas,um qb.de amor,um qb.de ternura e por fim os gestos necessários, tens nas mãos o fermento necessário para duplicar a quantidade de bolinhos que queres servir...O resto,o resto é sonhar em doses não exageradas.Tudo tem o seu Qb. nas reticências que falta para dosear a vida...







Célia M Cavaco / Desvios