Um dia igual a tantos outros, cheio de incertezas e angustias que fazem com que o stress se instale. Pegou nas chaves do carro,rumou em direcção onde sabia que ia encontrar a tranquilidade. Estacionou,ficou dentro do carro a ganhar coragem,estava um vento frio,as ondas eram do tamanho do céu,o horizonte era de uma cor só,mas era ali que conseguia respirar o ar puro. Ali,conseguia sobreviver,ali era ela e o mar...
Fechou os olhos,ouvia música,agora sim,tudo fazia sentido,o barulho do mar,o mar que a acompanha desde criança,o seu fiel confidente (...) Ouviu um toque no vidro do carro,abriu os olhos,era um homem vestido de fato de treino,assustou-se,ainda assim,ouviu-o dizer " Vens caminhar?". Abanou um não com a cabeça,ele encolheu os ombros,e caminhou em direcção ao mar...
Descalçou os sapatos,tirou as meias,e correu até o alcançar,caminharam lado a lado,ele disse baixinho "Obrigado!".As pegadas dele eram enormes ,as dela condiziam com a delicadeza do corpo,pequenas,suavizadas pelos passos sincronizados.Sem falarem nada,sentaram-se na areia molhada.
Pouco tempo depois,ele falou-lhe quase sem se fazer ouvir.
-Vim para aqui,para acabar com a vida...
Ela,sem o olhar directamente,disse-lhe:
-Que estupidez, já viste o mal que causavas aos que gostam de ti?!...
-Não,não é nesse sentido,é querer dar um novo rumo,é tentar sentir-me humano; Perdi as minhas características,a minha personalidade está ferida,está em ponto morto.
Sou anestesista,há uns anos na sala de cirurgia,falava com uma paciente,tentava que ela se acalmasse,não sei porquê,fiquei perto dela até que adormecesse.Levou tempo até que voltasse a si,segredei-lhe ao ouvido,acorda,preciso de ir beber um café. Ela sem abrir os olhos,respondeu-me:
-Bebe dois,ou então, espera por mim.
Nunca mais a vi,mas ultimamente lembro-me dela inúmeras vezes.
Pela primeira vez,olhou para ele e disse-lhe:
-Já passaram uns cinco anos,foi em Agosto de 2010 não foi?...
-Sim,como sabes?
-Eu sou essa paciente,recordo-me dessa situação,só que pensava ser efeito da anestesia.
Riram ambos da insólita situação,deram um abraço,falaram tudo o que havia por dizer...
Ainda hoje se encontram no mesmo lugar,o abraço deu lugar ao beijo, à ternura que sem se aperceberem tinha ficado naquela sala de paredes brancas e frias. Um lugar onde o improvável é um acaso. Quanto tempo passou?... Todas as tardes escrevem na areia molhada a palavra "Amo-te"
( ... )
Célia M Cavaco / Desvios