sexta-feira, 14 de setembro de 2018



Se rasgasse todas as folhas sarapintadas de tinta azul da sua caneta que é a mais bonita do mundo,estaria a deitar para o lixo toda a sua imaginação que levara horas a elaborar.
Quando começara a desenhar palavras naquelas folhas brancas estava longe de contar a sua história.Ainda perguntara a si mesma,qual história? Acorda!...a tua idade está a anos luz de poderes ter uma história para contar pensou de si para si.
Quanto muito,podes é enredar uma qualquer história que possas cerzir das recordações se as tiveres para contar.
A imaginação avançou,como quem ousa dar os primeiros passos,levou as palavras a dançar na branca folha de papel.
Quando chega a altura de planear férias fica sempre com as lembranças fora de órbita,se atravessar a ponte para a outra margem nem a memória a salva,é como aqueles que nasceram na Maternidade Alfredo da Costa e nunca vão à terra porque são só alfacinhas,se tivessem nascido algures na parte saloia poderiam ir à terra visitar e trazer os produtos que a terra produz com o árduo trabalho dos pais que poucas vezes vêm à capital visitar os filhos.São sempre os filhos a saírem do ninho,são sempre os pais a ficar na fotografia que mais tarde emoldurará uma estante ou uma camilha que enfeita o recanto da sala de estar.Um pouco aqui, e ali, lembrou-se de um dia quando foi visitar a sua terra,sim,sabia que tinha um lugar onde dera o grito da liberdade para nascer de perguntar à sua mãe se nascera num hospital ou em casa A mãe,olhou-a, e apontando para nenhures disse-lhe:
Nasceste ali naquela casa com uma bananeira à porta.Ou teria sido uma palmeira? uma ou outra tanto faz, o facto é que estava debruçada numa grade que embelezava o jardim que ficava por cima da tal casa que nunca descortinou pois os seus olhos infantis só viram naquele dia um amontoado de casas e telhados velhos.Ainda perguntou à mãe:
Qual delas é?
A mãe já ia pelo jardim afora deixando-a pendurada a olhar para a tal árvore que não se deixara ver perante o seu espanto e curiosidade.Só há pouco tempo depois soube que o tal jardim se chamava,Jardim dos Amuados.Tinha lógica,foi precisamente o seu estado emocional naquele dia longínquo,perante o facto de nunca ter descoberto a tal casa com uma bananeira à porta.Ou seria uma palmeira?... Não interessa,o curioso é que anos mais tarde morou num lugar bem longe onde à entrada havia uma palmeira,e na casa em frente havia uma bananeira.Naquele dia, poucas horas depois de ter pisado aquele solo onde o primeiro impacto foi a baforada de ar quente que fez o vestido colar-se à pele,nunca em tão pouco tempo tinha transpirado tanto.Que cheiro é este? Até hoje,e já passaram mil e tal anos tem aquele cheiro grudado nas suas melhores recordações.Responderam-lhe:
Hás-de descobrir por ti mesma,um tempo depois, soube que era cheiro de Capim que com a aridez da terra dava a sensação de erva seca queimada pelo sol.Um dia aventurou-se a conhecer o lugar para onde fora morar,saiu da sua zona de conforto e foi dar com uma rua muito recta com casas iguais em ambos os lados.Todos tinham uma tonalidade de pele um pouco estranha,mas,o mais estranho, eram os vestidos das mulheres,bem coloridos, com cores do meu Outono,a particularidade estava em ser peças que pareciam a metro enrolados à cintura dando no ombro um toque especial.Descobri que se chamavam Sarís. Naquele dia,descobri aromas que me marcaram para todo o sempre.Hum...aquele cheiro a caril,canela,manga e papaia, fizeram de mim uma quase cidadã indiana.Quantas vezes as lágrimas caíram pelo meu rosto enquanto saboreava um delicioso caril feito pelo Francisco.O Francisco foi uma personagem importante quando me integrei naquela terra onde o sol parecia trocar o nascente com o poente.Pensava eu...
Hoje, neste tempo de agora, nem sei onde nasci tal as viagens que fazem a minha memória.Sou daqui,ou dali, conforme viajo pelas recordações dos paladares e dos cheiros que guardo sem pecado de rejeitar a tal casa com uma bananeira ou uma palmeira à porta...




Célia M Cavaco,In Desvios

Arte:Jarek Puczel