sexta-feira, 29 de junho de 2018

A casa era grande e espaçosa.Tão grande, que cada divisão da casa tinha uma história,gostava de inventar,imaginar pessoas a viverem e a coabitar consigo sempre que estava sozinha.Havia dois lados da casa,o norte e o sul,o lado pobre e o lado coosmopolita da cidade.Era na cidade que a casa morava,alguém a tinha construído há muitos,muitos anos.Não sabia quantos,supunha e imaginava que nela tinham morado alguém aristrocrático,talvez um principe mouro com uma jovem plebeia,muito bela mas sem nome.Imaginou que teria sido a beleza da jovem a conquistar o principe mouro,acabando este por construir aquela casa para  manter cativa a jovem bela que tinha cabelos cor  de asa de corvo.A cave da casa tinha um poço,quando era pequena tinha tido medos,receios de que no poço os cavalos dos infiéis saltassem a galope até ao quarto onde dormia.À noite deixava a luz acesa,via todas as sombras a quererem dormir na sua pequena cama.O quarto baptizara-o pelo nome de quarto escuro,não tinha janelas,apenas numa das paredes dois armários embutidos ,na parede contrária a sua cama,na cama o seu corpo tremia perante o medo de no armário frente a si saíssem mortos que quando adormecesse a viriam buscar assim que deixasse de estar de sentinela,o sono vencia-a,apesar de tudo, tinha uma arma secreta que a protegia,o lençol da cama ajudava- a a sentir-se protegida,era seu cúmplice,tapa-a de maneira a que o seu olhar só visse no lençol branco uma tenda onde ninguém conseguia entrar,apertava-o tanto que os dedinhos adormeciam primeiro que ela.Quando acordava, o quarto continuava a ser escuro,faltava-lhe uma janela.Lembrou-se de pedir que a mudassem para o quarto grande,tão grande que havia nele duas camas grandes com duas colchas de pano floridas em tons de Outono.Ninguém a ouvia,temia pedir o que quer que fosse.As pessoas grandes às vezes não tinham tempo para escutar os seus medos,então sozinha com as suas histórias inventadas tornava-se numa menina que não queria ser bailarina,nem princesa,nem...nada que não fosse só aquilo a que lhe era permito sonhar na sua idade pequena como ela.O seu segredo era pedir ao menino Jesus  num dos natais uma caixa de lápis de cor,a mãe tinha-lhe dito que só poderia pedir uma caixa de lápis com apenas seis cores.Eram pobres,uma caixa de doze cores o menino Jesus não poderia trazer porque senão faltava no céu o arco íris para todas as crianças do mundo.Não entendia porque tinham de ser pobres se na mesa havia o que comer,até demais,pois a mãe empanturrava-a de comida.Escondia a comida nas bochechas,quando a mãe dava por isso enchia mais a colher,então calamidade das calamidades,engolia tudo até as lágrimas correrem a fazer rio e entrar no mar da sua tristeza.Não gostava nada daquela papa de batata com peixe e ovo esmagado com um fiozinho de azeite ouro a colorir,só o limão conseguia  aos poucos aliviar-lhe o enjoo, e, porque a mãe, cantava a lenga lenga...tantas crianças a morrerem de fome e tu armada em menina fina.
Contrariada acabava por comer tudo,a mãe não desistia,e ela indefesa esperava que na próxima refeição todos os meninos tivessem  tanta fome que não sobrasse nada para ela.Pensou,quando crescesse haveria de comer só o que gostava,nunca mais iria comer aquela papa de peixe esmagado com ovo e o tal fiozinho de ouro que a mãe regava para colorir o prato.Agora já adulta,a menina recorda que nunca viu a mãe sentar-se à mesa a comer com ela...






Célia M Cavaco,In Desvios