terça-feira, 2 de novembro de 2021


 



Seleccionava no amontoado de papeis quais os que devia rasgar. Cada um finalizava um ciclo, entre os papeis sobressaiu um envelope com a simples indicação: Para ti...
Reteve-o com uma angustia inesperada, sabia, que de algum modo, teria de ganhar animo para poder ler o que estava dentro daquele envelope que por um acaso estava agora nas suas mãos.
«A morte não é nada. Apenas passei para o outro lado do caminho. O que eu era para vocês, continuarei a sê-lo.
Falem comigo como sempre falaram.
Vocês continuam a viver no mundo dos homens, eu estou vivo no mundo do criador. Continuem a rir daquilo que nos fazia rir juntos. O fio não foi cortado. Eu não estou longe, apenas estou do outro lado do caminho. Vocês que ainda aí estão, sigam em frente. A vida continua como sempre foi».

Releu vezes sem conta, como poderia saber uma oração de Santo Agostinho? Logo ele que infernizava constantemente em desafio constante a veracidade de Deus e como a vida que acreditava ser só uma, seria na terra que usufruiria em pleno a alegria de viver. Falaram tantas vezes da transição e da maneira que cada um interpretava o afastamento...
Nada é impossível, mas era estranho, o envelope destinado a si naquele amontoado de papeis. Como soube que iria ser uma partida inesperada? premonição? Tantas perguntas sem resposta. Tanto que ficou por viver...Uma história de amor vivida na plenitude e nas escolhas. Uma história que ficaria para sempre. Com o passar do tempo apenas uma saudade. Não fosse o envelope não recordaria o dia de hoje, não que estivesse esquecida, mas porque sem controlar o curso dos acontecimentos estava a reconstruir sentimentos.
A porta abriu devagar, uma gargalhada divertiu-a: Estás a nadar em papéis, ou a levantar o pó? (...) acabou por rir divertida. A vida continua como sempre. Recomeçar é viver uma outra vida, renascer faz parte.









Célia M Cavaco, In DESVIOS