quarta-feira, 13 de outubro de 2021


 


Nas ruas de Lisboa reconhecendo lugares e cheiros. A primeira vez que visitou Lisboa foi numa manhã fria e de intenso nevoeiro rodeada de todos os que chegavam de barco vindos da outra margem. Transportavam sonhos e a azáfama para chegarem a horas ao trabalho para ganhar os parcos escudos para o sustento de suas famílias. O primeiro impacto foi o espaço onde todos se cruzavam sem se olharem nos olhos, depois foi o cheiro a pão quente, com um aroma a café nas ruas paralelas da grande cidade. Adolescente com uma mala para partir. Encontrou-o sentado numa dessas ruas a tocar viola. Timidamente aproximou-se até quase poder-lhe tocar. Parou para o ouvir, tocava divinamente, recebia moedas de quase todos os que não paravam para olhar e muito menos sentir a música. No final de uns acordes sem a olhar directamente ele perguntou-lhe: que perfume usas?
Fugiu assustada com a mala de cartão maior que a idade que carregava no corpo franzino. Hoje voltou às ruas de Lisboa, os mesmos lugares centenários mas remodelados, a manhã nublada como a primeira vez que pisou a calçada desenhada nas ruas da capital. Reencontrou os mesmos cheiros, o mesmo vaivém de todas as pessoas que apressadamente se deslocam desencontradas umas das outras. Sentado num banco estava ele a tocar viola, o cabelo branco desalinhado, uns óculos a esconder-lhe o olhar para quem depositava moedas na caixa de cartão. Encostou-se à parede suja de publicidade. Reviveu aquele dia em que pela manhã ainda madrugada chegou à sua Lisboa. Depositou uma moeda, ao virar as costas ele disse-lhe: Nunca me disseste o nome do teu perfume. Sorriu com auto confiança respondeu-lhe com largo sorriso.
- Nenhum, apenas água das rosas...




Célia M Cavaco, In DESVIOS
12-10-16







Photo:Edward Ed Gordeev