segunda-feira, 15 de outubro de 2018



Qualquer habitação tem recantos onde gostamos de passar a maior parte do tempo por vezes em meditação por uma saudade que lembra o positivo dessa saudade feliz.É um lugar de conforto onde as ideias se alinham sem atropelos. Deixamo-nos levar até porta da memória que se fecha e nos leve num voo longuínquo onde o retorno quase sempre é difícil, temos de abrir e fechar portas há muito seladas e fazer a difícil escolha de qual delas queremos que esteja aberta para o mundo,esse mundo muito pessoal construído por valores mais altos e também onde deixamos um pouco de nós ao acaso. A idoneidade moral e cívica sempre em conflito, o dever e a vontade (...) Fechou os olhos,um cansaço inusitado deixou-a prostrada.Sentia-se naufraga,queria vir ao de cima respirar a liberdade dos actos sem que lhe apontassem o dedo. Teria de correr o risco,só assim poderia abrir a porta principal e sair sem que magoasse o orgulho e o preconceito.O corpo dolente exigia urgência de afectos,seria por certo a porta mais imediata a ser aberta para que tudo começasse a ser perfeito.Seria a mesma,mas a mulher não, descobrira em si uma outra com vontade de voar sem medos. O destino estava ali, na hora certa,teria simplesmente de caminhar lado a lado,mão na mão,deixando-se guiar na intimidade do sonho.Ainda adormecida sentiu o beijo,nos seus ouvidos a música,o sussurro a rondar o fascínio,o corpo tocado em semi breves de fascinação...sentia-se deusa, nas mãos mágicas a exausta doçura querendo dormir sobre o ventre,as pétalas sobrevoaram num audaz beijo de princesa adormecida.O corpo em metamorfose deu o ultimo grito.Acordou,sobre si o olhar penetrante de inquietação...estavas a dormir?
Não,acho que só me deixei levitar.Anda,vem deitar-te ao meu lado,mão na mão até que possas adormecer e descansar em mim.
Vou fechar a porta.
Não,deixa a porta entreaberta,esqueceste que sonhos não gostam de ser aprisionados?...







Célia M Cavaco,In Desvios






Arte:Christian Schloe