Abrir um blog de poesia, nada de especial. Mas um blog onde se pode escrever palavras, momentos a partilhar, é um atrevimento, que poderá ser uma ousadia. A minha, onde por instantes viro uma suposta página do meu livro.
domingo, 1 de abril de 2018
Acabara de ler o livro, com um suspiro pousara-o no regaço. Mais tarde voltaria a pegar no livro, iria reler as páginas marcadas com post-its coloridos,engordava todos os livros com separadores quando não marcava com pos-it as páginas que queria voltar a ler.Era sempre assim,lia o livro numa sofreguidão imparável,depois,voltava a reler com mais serenidade e interiorização as passagens que mais tinha gostado.O livro Bem -estar sem idade,um livro com inúmeras sugestões para melhorar o corpo e a mente.Acreditava no que a autora escrevera,mas,duvidava de alguns métodos sugeridos pela escritora,por isso assimilava somente o que queria e acreditava ser capaz de fazer.Há algum tempo que notava em si diversas alterações corporais,a idade estava a deixar marcas no seu corpo,sentia-se cheia de juventude,olhava-se,gostava do que via.Chegou a uma altura da sua vida que lhe interessava mais os prefácios do que o próprio livro,metaforicamente falando,o prefácio era a sua aparência exterior,o conteúdo do livro era a sua mente.Tinha dias que ambos coincidiam na perfeição,outros,sentia-se como um livro onde só a capa chamava a atenção...
Sentiu as pálpebras fecharem-se,o cansaço prevaleceu.Num sono quase profundo deixou-se levar pela mão do seu eu interior,era com ele que deixava os seus pensamentos,quase nunca recebia respostas,mas também nunca saia defraudada.Lembrou que um dia desesperada perguntou-lhe: Com quem mais poderei falar senão com o silêncio? Nem sempre o silêncio foi o companheiro ideal,mas como todo e qualquer relacionamento chegaram a um consenso.Começaram-se a ouvir em sintonia,o coração e a razão deu num casamento quase perfeito.Mexeu-se,tentou abrir os olhos,estes ainda no limbo do sono levaram-na até ao jardim secreto,conhecia-o bem,no meio das árvores existia um labirinto, por ali andava até encontrar a saída onde estava um banco de pedra.Ficava sentada até que a brisa da tarde a fizesse estremecer,era nesta altura que regressava para tirar a chave que estava debaixo do tapete de folhas deixadas pelo seu Outono.A chave servia apenas como amuleto,pendurava-a ao peito,com ela abria a liberdade do pensamento,com este,sentia que poderia alcançar a serenidade nos momentos precisos,Aparentemente dormia,enganava agora o sono mantendo as pálpebras fechadas.
Devagar espreguiçou as ideias,devagar deixou de pertencer ao eu interior,devagar caminhou ao resgate de si mesma,perdera-se nos meandros da imaterialidade, mergulhara no quase abismo de si,a ténue fronteira onde a loucura faz o vazio sentir que nada mais resta senão o corpo que está ao alcance das suas mãos,nas mãos a pele arrepiada,a sombra de si passa-lhe frente ao olhar que a acompanha até ao sorriso,sorriso de quem sabe que tem nas mãos a prosa da vida,a vida numa caligrafia quase perfeita.Tudo era quase perfeito...
Célia M Cavaco,In Desvios
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