Abrir um blog de poesia, nada de especial. Mas um blog onde se pode escrever palavras, momentos a partilhar, é um atrevimento, que poderá ser uma ousadia. A minha, onde por instantes viro uma suposta página do meu livro.
segunda-feira, 12 de março de 2018
Hoje, mais um dia de chuva e vento,da janela, vislumbro o céu escuro por cima da ponte sobre o Tejo. A janela para mim é um ponto de encontro com a imaginação.Com uma caneca de chá quente aqueço as mãos,os vidros embaciados,o arrastar do corpo à procura de um conforto para este dia invernoso.Se estivesse a ver um filme soft,de certo, que a personagem feminina estaria deprimida com uma bruta caixa de gelado a ver um filme piegas, tendo por companhia, uma caixa de lenços amarrotados, a fazer um amontoado de lixo. Na já desarrumação emocional da personagem existe a personagem masculina que é o princípio da história.Raro ver filmes deste género,sei sempre o final,tudo acaba bem e são felizes para sempre.Ainda na janela, vejo longe o horizonte,numa perspectiva muito pessoal, vejo-o com cores matizadas, num final de tarde onde o calor faz parecer que o chão foge numa nervura delineada pelo calor que dele emana,um calor que se pega ao corpo deixando neste uma transpiração saudavelmente erótica.Numa esplanada qualquer, desse horizonte longínquo, uma bebida fresca ajuda a evaporar as gotículas de suor, a leveza da roupa enquadra-se perfeitamente com a paisagem das acácias vermelhas.Tudo ficou longe,e tão perto do coração que o ritmo deste chega para entontecer a saudade de tudo que o que ainda resta para lembrar.O tempo voa,a chuva continua a cair num bailado de chuva em pingos de ballet.Nos vidros embaciados,os dedos desenham uns gatafunhos em forma abstracta.Do lado de fora alguém poderá entender e decifrar o coração desenhado erradamente sem estética.Um coração de chuva,chuva de lágrimas ocasionais,sem tempestade,apenas lágrimas pressentidas como uma previsão atmosférica de que o coração está magoada nas próximas horas,abertas, só no final da noite quando adormecidas,as lágrimas virarão pequenos soluços em sono cadenciado numa respiração calma onde a lua embala o sono de menina.Os cabelos caem sobre os ombros,o rosto sem pintura,os olhos...os olhos continuam a escrever o que do outro lado dos vidros se passa,páginas rebuscadas para um tempo que chega breve.A memória de um dia de chuva e vento...
Célia M Cavaco,In Desvios
Photo:CMC