Às vezes lembro-me de todos os amigos que passaram pela minha vida. Passaram, porque estão numa ausência prolongada, sei que um dia, seja onde for, nos encontraremos de novo. Quero crer que sim...
Hoje lembrei-me do meu amigo judeu,era velho,tão velho e tão sombrio como o lugar onde vivia.Acho que ninguém falava com ele,só eu,e muito a medo.Parava defronte da porta que ele tinha sempre aberta,era como se tivesse receio,era muito estranho,curvado e com barbas enormes. Olhávamos um para o outro sem pronunciar palavra alguma.Mal ele fizesse um gesto pequeno que fosse, eu fugia.No dia seguinte,lá passava eu à porta e parava...um dia,tinha na entrada uma caixa tão velha,mas tão velha e amachucada que arrepiava. Fez um gesto para que eu a apanhasse . Silenciosa,mas atrevida,apanhei a caixa e fugi.Depois em casa às escondidas abri o meu primeiro tesouro dado pelo amigo judeu. Era um pequeno colar de pérolas,o mais bonito colar que eu jamais vira,a não ser nos filmes de domingo à tarde que dava na televisão e me aborreciam de tanto tédio de não compreender nada de nada.No dia seguinte,fui com o colar escondido na concha da mão para lhe agradecer.Num movimento pouco usual à porta do meu amigo judeu soube que foi encontrado morto.Não fiquei triste,porque não sabia o que era a morte.Sei que levaram meses para limpar a casa. Não tinha mobílias, apenas um colchão tão velho como ele,o resto eram livros,muitos livros numa língua estranha que ninguém sabia ler,diziam os que nunca o tinham visto nem sequer parado um momento à porta para o verem.Mas o melhor de tudo,era quando fazia algo menos próprio a minha mãe dizia: és mesmo judia...não sei porquê,aquilo agradava-me,além do colar de pérolas que era o meu tesouro, eu também era judia...
Hoje lembrei-me do meu amigo judeu,era velho,tão velho e tão sombrio como o lugar onde vivia.Acho que ninguém falava com ele,só eu,e muito a medo.Parava defronte da porta que ele tinha sempre aberta,era como se tivesse receio,era muito estranho,curvado e com barbas enormes. Olhávamos um para o outro sem pronunciar palavra alguma.Mal ele fizesse um gesto pequeno que fosse, eu fugia.No dia seguinte,lá passava eu à porta e parava...um dia,tinha na entrada uma caixa tão velha,mas tão velha e amachucada que arrepiava. Fez um gesto para que eu a apanhasse . Silenciosa,mas atrevida,apanhei a caixa e fugi.Depois em casa às escondidas abri o meu primeiro tesouro dado pelo amigo judeu. Era um pequeno colar de pérolas,o mais bonito colar que eu jamais vira,a não ser nos filmes de domingo à tarde que dava na televisão e me aborreciam de tanto tédio de não compreender nada de nada.No dia seguinte,fui com o colar escondido na concha da mão para lhe agradecer.Num movimento pouco usual à porta do meu amigo judeu soube que foi encontrado morto.Não fiquei triste,porque não sabia o que era a morte.Sei que levaram meses para limpar a casa. Não tinha mobílias, apenas um colchão tão velho como ele,o resto eram livros,muitos livros numa língua estranha que ninguém sabia ler,diziam os que nunca o tinham visto nem sequer parado um momento à porta para o verem.Mas o melhor de tudo,era quando fazia algo menos próprio a minha mãe dizia: és mesmo judia...não sei porquê,aquilo agradava-me,além do colar de pérolas que era o meu tesouro, eu também era judia...
Célia M Cavaco / Desvios