Abriu a janela,os cheiros entraram pela rede que protegia o interior. A humidade, a pele,o calor, o sufoco que penetra nas vestes coloridas.O regresso feito em segredo,passou pelos bairros multicolores de gentes magras de olhares, como se a esperança morasse noutro planeta. Ainda assim, quis voltar àquele lugar de gentes com colares de flores no pescoço e um sinal colorido na testa. Elas tinham de morrer jovens quando os maridos velhos morriam. O templo não tinha misericórdia destas mulheres,nem o incenso apaziguava a ira da deusa quando esta se enfurecia . Era assim,continuaria a ser assim mesmo com a passagem dos séculos. Era forasteira num lugar que sempre julgara como seu. A primeira vez que chegou, foi como um deja vu,reconheceu todos os passos a dar sem o guia que insistia nos perigos ao virar de cada rua estreita com os cheiros de canela,jasmim e caril. Uma sujidade própria da cultura dos aglomerados.Dentro de cada casa, o coração puro de uma criança,apenas a sina de ser mulher.

Conheceu-o no templo,alto,moreno,a pele de cor tâmara, um turbante,uma túnica branca e umas calças largas davam-lhe a aparência de um príncipe.Não falaram,olharam-se,cruzaram os sentidos. Saíram do templo,amaram-se dias seguidos,foi mulher naquele lugar mágico,escreveram a marcar encontros. Teve de partir,deixou um bilhete debaixo da cama de folhas. Prometeu voltar... Estava junto da janela,ansiosa por sentir-lhe o cheiro. Bateram à porta do quarto,uma adolescente entregou-lhe uma carta. Leu-a com ansiedade,conseguindo decifrar o pouco que sabia daquela língua estranha. Anunciava uma longa viagem.Partira sem que estivesse presente. No momento soube que era viúva de um amor abençoado.Tentou que o rio o devolvesse...o amor não podia morrer, o amor não morre sem o outro estar presente na despedida. Fez a promessa de que estaria sempre de volta ao lugar onde pela primeira vez os olhares cruzaram o céu de estrelas. O amor envelheceria na memória até que o rio o reclamasse para a viagem (... )












Célia M Cavaco / Desvios