quinta-feira, 8 de outubro de 2015





Dos meus tempos de menina,lembro as tardes de Outono. Aquele cheiro que parecia frio.Agora penso,o frio tem cheiro? Para mim tinha um não sei quê,que eu identificava como frio. Chegar a casa,beber um café de saco com leite,ficar por detrás dos vidros, ver o mundo a passar aos meus pés,só porque a janela era alta.Tanta coisa se passava ali naquela rua.Conhecia toda a gente,todos eles tinham uma história imaginada por mim.O senhor que todos os dias passava solitário para se sentar no banco do jardim,decerto era viúvo,não tinha nem filhos nem ninguém que o acompanhasse.Esta era a minha versão; Depois,pelas 17:30 todos os funcionários da câmara saiam,também esses eu lhes inventava uma vida...
Era assim todos os dias,conhecias-os a todos.Eles nem davam por mim,nem sabiam das minhas estórias.Uma vez...sempre à mesma hora passava uma senhora muito distinta,roupa preta muito elegante,sabia que morava no que é conhecida a Vila Adentro.Por muito que me esforçasse não via nada da casa onde morava,era enorme, imponente de tantas janelas que faziam um corredor em toda a rua. Comecei por lhe chamar a Senhora Condensa. Um dia,a Senhora Condensa meteu conversa comigo,e combinou comigo uma hora para a visitar,tinha uma coisa para entregar à minha mãe. Fiquei eufórica,ia conhecer a casa estranha,estranha pela imponência e por estar sempre tudo fechado.À hora marcada lá estava eu pequena mas cheia de curiosidade.Toquei naquela mão enorme que estava na porta.Demoraram,fiquei com medo de se terem esquecido de mim. A porta abriu,e lá estava a senhora condensa que me convidou a entrar e levou-me para um jardim...
Fiquei muda,o jardim tinha tantas estátuas, todas elas tinham repuxo de água.Fiquei maravilhada,afinal,devia de ser mesmo Condensa,ninguém normal vivia num palácio. O meu encanto durou pouco tempo,porque a senhora Condensa entregou-me um cesto cheio de peixe para dar à minha mãe. Ela disse solenemente,diga à sua mãe que são frescas,os pescadores oferecem-me tanto peixe que não conseguimos comê-lo todo e é pena estragar-se sabendo que há pessoas que não o podem comprar. Ah,frescas,porque eram cavalas.Recordo da alegria da minha mãe a arranjar o peixe. Pior,foi quando as tive de comer,peixe estranho aquele...
Os anos passaram,voltei a ver a senhora Condensa com a mesma idade de sempre,a idade que eu lhe tinha dado, cem anos e mais alguns...
Depois,fui eu que desapareci,nunca mais soube das minhas personagens,nem da senhora Condensa...
A propósito,hoje comi cavalas cozidas como a senhora minha mãe as fazia. Adorei,souberam-me a todas as lembranças da senhora Condensa e de todos os outros personagens.Recordei-me de todos...





Célia M Cavaco / Desvios