O quarto estava escuro,fechara as janelas, não permitia que a luz do exterior inundasse aquele refugio, fugia da claridade,queria mesmo, era estar no escuro, com os seus medos;embalada pela penumbra do quarto,surpreendeu-se por um instante de luz que lhe iluminou o rosto, era como se a convidassem a seguir um arco-íris.Alguém lhe estendeu a mão,mão que ela segurou com força.Quando se apercebeu,estava sentada num jardim,onde o verde era predominante, havia muitas árvores...encontrou-se sentada debaixo de uma. Rodeada de crianças,viu-se a contar estórias.O mais estranho,era que estavam vestidas todas de igual, com uma túnica branca.Ela mesma tinha uma túnica branca vestida.Olhou em redor,havia outros grupos espalhados pelo verde do jardim.Alguém chamou por ela...a mesma mão ,ajudou-a a levantar-se,convidando-a a segui-la.Não tinha rosto,mas sentia-se segura.Era como estar a ser embalada por uma ternura que desconhecia.Percorreu o jardim,conhecia algumas caras,as lágrimas começaram a correr-lhe pelo rosto,todos os que lhe eram queridos cercaram-na com abraços e beijos.Não falavam,mas era como se lhe segredassem:gostamos muito de ti,temos imensas saudades tuas,mas,é muito cedo para te recebermos.Queria falar,a voz perdeu-se num soluço.Pediu apenas que a deixassem estar o tempo necessário para rever todos os que tinha amado.Mas apenas procurou um rosto,não o viu no meio de todos os outros;a luz estava a voltar,sinal de que tinha de regressar,a mão,a mesma mão que a segurava,deu-lhe um abraço e segredou-lhe:não me procures num rosto,procura-me antes com o coração.Acordou,com a sensação de ter saído do corpo...

Célia M Cavaco / Desvios