segunda-feira, 27 de setembro de 2021


 



É tarde meu amor
neste lugar onde estou, imagino-te a contar os compassos do coração. A seu tempo, também eu poderei acompanhar-te nesse tempo que pula e avança. A idade que nos resta é uma linha inquietante. As águas agitam-se, embora a eterna foz nos receba, apaziguo nos teus braços as minhas navegáveis margens. A noite aflige-nos, a lua, na maior quietude rodeia-nos num universo escrito pelas estrelas.
É tarde meu amor
Quando a noite entra despida na nudez de todas as marés, nado ao encontro do sono. É pelo nocturno da noite em notas de Chopin que a sonolência me veste de sonhos. Vagueio, sei ir ao teu encontro, delicados caminhos intrometem-se como um labirinto sem saída, insisto em remar contra as marés no cansaço dos meus braços remos de muitas vidas. Eis-me aqui a rezar por ti, como humilde pecadora, peço àquele que teima em fazer-me penitente que me deixe um coração puro de amor maior por ti.
É tarde meu amor
Que esta noite de pressentida angustia eu seja a tua amante de um poema só. Que ao encostar-me sobre o teu peito a minha imaginação não sofra qualquer demência. É-me difícil permanecer onde não posso sequer imaginar-me. Os pássaros da noite batem as asas da liberdade, eu, prisioneira neste corpo impuro também anseio chegar até ti numa liberdade nómada enquanto cigana errante perdida mil e uma noites no deserto, olho a estrela cadente num só desejo.
É tarde meu amor
Afogo o meu silêncio enquanto te espero frente ao mar, mar de baptismo onde só eu e tu somos feitos de esboço e memórias flutuantes.
É tarde meu amor
a madrugada prestes a acordar insinua-se numa cumplicidade perversa ao desejo da eternidade.

É tarde meu AMOR...








Célia M Cavaco,In DESVIOS