Era uma vez,uma menina pequena,mas era mesmo pequena para a idade que já tinha. Nos seus cinco anos era tão calada que nem se fazia ouvir,não falava,muito menos cantava. De tão silenciosa e de poucas palavras quando entrou para a escola a professora Margarida não lhe dava importância,de modo que a menina ficava na ultima fila,sem se fazer ouvir apenas escutava todos os sons e ruídos,até os pássaros na árvore do recreio faziam um chilrear maior como que provocando a menina a sair do seu silêncio. De nada servia,era um mundo à parte o seu,pensava e imaginava coisa nenhuma. Com os seus lápis de cor fazia desenhos enquanto os outros meninos cantavam,dooois vezes ummm, dooois,dooois vezes dooois quatro e por aí fora numa cantilena monótona. Ela sabia ouvir,aprendia sem ninguém saber a cantiga da tabuada,depois os números até cem,depois, aprendera a soletrar baixinho o I de igreja mais A de aves,o E de égua até aprender a ler e nunca ninguém imaginava o quanto ela no fundo da sala aprendia sozinha,na última carteira da sala aprendia com o silêncio do seu mundo à parte. Um dia,entrou na sala de aula uma professora nova,quis a professora saber o porquê da menina estar tão ao fundo da sala como se estivesse de castigo. A professora Margarida disse-lhe: Não vale a pena tentar,é caso perdido,julgo até que tem alguma deficiência,mal sabia a professora Margarida que a professora nova era filha de alguém que sua mãe conhecia. A mãe da menina tentou falar com a professora, senhora fina lá da cidade a professora Margarida ficou muito incomodada,mas a mãe exigiu respeito para a sua filha,com o testemunho da professora nova a menina foi transferida para a sala seguinte onde a professora Dona Lurdes dava aulas à segunda classe. A menina estranhou,a professora Dona Lurdes, era tão bonita e elegante que começou a menina a olhar mais para os livros e a fazer redacções com letra redonda e perfeita sem sair da linha como exigia a professora Dona Lurdes,no final de cada trabalho pegava na sua caixa de lápis e fazia uma esquadria de florzinhas para dar um ar elegante no seu caderno limpo e arrumado . A menina não deixou de ser tímida nem silenciosa. Um dia,houve um burburinho na sala de aula,a contínua,a menina Isabelinha,só porque era muito temente a Deus exigia disciplina, mandou uma a uma para a sala ao lado. Amedrontada,com medo de algum castigo a menina mais silenciosa que os seus passos ficou na fila de espera até que chamaram pelo seu nome,dirigiu-se a um senhor grande e muito estranho,vestia bata branca como a professora,tinha uns óculos na ponta do nariz e diz-lhe bem alto: Ó tu minha menina,diz todas as letras que estão à tua frente no quadro branco,as primeiras disse todas,mas ai jesus,as últimas começaram a dançar e ela assustada deixou que as lágrimas lhe toldassem mais as letras que ela não conhecia. O sr. Doutor deu-lhe um papel branco para entregar em casa. A mãe levou-a ao doutor Viegas que nada mais era que o senhor doutor da escola que a fez ler outra vez todas as letras,todas não,aquelas últimas continuavam a dançar à sua frente sem que ela conseguisse ver o que cada uma era. Dias depois,a mãe levou-a a uma casa onde só havia óculos,para espanto seu saiu de lá com uns óculos nada bonitos . Que desnorte,via tudo em grande,até aquelas letras que antes dançavam estavam agora bem sossegadas sem se mexerem do lugar. Coitada da menina,se antes era calma e silenciosa e não incomodava ninguém,ganhara o nome de caixa de óculos,se já pouco falava e muito menos brincava no recreio com outras crianças,agora via-se abraços com a voz da mãe a martelar-lhe a cabeça: Tu vê lá,não corras,não faças isto ou aquilo,olha que os óculos foram caros,se te comprei foi por necessidade e bem caros foram. Têm de durar o tempo necessário até que o senhor doutor mande comprar outros,esperemos que daqui a muito tempo, espero que te portes como uma menina sossegada,Ai Jesus,o que era ser uma menina sossegada? Ela só olhava as outras crianças a brincarem à corda, à macaca,ao elástico...e ela,uma menina sossegada com cara de caixa de óculos continuava a ser tímida e silenciosa.
Celia M Cavaco,In MOMENTOS
Foto,pesquisa google