quinta-feira, 18 de outubro de 2018


Na minha rua, há um pouco de tudo,árvores,avenidas,  parques e poetas.Na minha rua, moram pessoas do mundo,na minha rua, existe a frente, e as traseiras dessa avenida onde eu moro tendo a minha casa várias janelas onde posso espreitar a noite e o dia.De uma delas,vislumbro lá no alto o Templo da Poesia,noutra,vejo o Tejo, e muito do que o meu olhar consegue alcançar.De noite,em noites de lua cheia, vejo com o encadear das luzes clandestinas, outras janelas,umas escancaradas,outras fechadas.Numas ouço risos infantis,noutras,a idade velha que se deixou permanecer com todo um silêncio que lá mora. Há por aqui muita gente só... A Dona Laura,senhora de muitos anos,sempre que me vê apela à língua gestual. Falamos de janela para janela tendo pelo meio uma outra rua,conversamos gestos para quebrar a monotonia da sua vivência solitária. Do gesto do abraço,ao atirar beijos para longe, acenamos o adeus do até amanhã,sei que baixinho  estará a dizer...Se Deus quiser.
Na minha rua, já foi tempo dos Jacarandás darem flores,agora, apesar do tempo quente vejo nuances da próxima estação.As alfarrobeiras deixam cair a alfarroba que quebra na calçada do parque,os medronhos começam a ganhar cor,os carvalhos carregados de bolota abanam com os ventos quando estes se anunciam inesperadamente deixando cair as bolotas ainda verdes. De um dos lados, a brisa da serra,do outro,a minha outra margem,a margem das minha aventuras e saudades constantes de muitas partidas para férias,como ansiosa vontade  para chegar depressa à minha rua que me esperava sempre igual a si mesma. O canto dos melros dão-me sempre os bons dias sempre que espreito o nascer do sol. À noite,a quietude da minha rua adormece com algum barulho do mundo que a habita.Na minha rua, contam-se histórias de amizades longas,de crianças que hoje são adultos.Na minha rua...moro eu e os meus afectos sempre que alguém me diz: Bom dia,está tudo bem?




Célia M Cavaco,In Desvios

Foto: Cmc